quarta-feira, 31 de outubro de 2012

Dissoluto*

Havia o teu corpo completamente nu estendido no tapete, no fundo da sala tocava Lou Reed e o cheiro de incenso se misturava ao nosso suor.  Sei que devíamos ter respeitado o tempo que precisávamos antes de adentrarmos nosso lado selvagem. Mas ao invés disso corremos em disparada, da boca ao órgão, do sexo a religião. Precisava acreditar em algo naquele momento, algo além da sua mão pelo meu corpo e barbitúricos. Queria estar certa que havia sentimento ali, mas não havia. Eu e você, juntos somos tão carnais que por mais que buscasse maneiras de sensibilizar nossa relação não achava, só havia madrugadas e suspiros. E por mais que ter seu corpo me hipnotizasse, eu quis mais, necessitava de algo a mais. Queria mais do que orgasmos espalhados pela casa. Quis ser sua de alma exposta e peito aberto, mas não soube te ser assim. Agora é uma pena ter a certeza que pertenço ao mundo dos que não te pertencem, porque era bonito sentar na beira da cama, te ver vir andando e te ouvir me chamar de "meu bem". Sinto saudades da sua estadia e da sua língua. Essa era minha parte procurando um espaço em você e esse era o seu vício invadindo a mim.


*Dissoluto foi escrito em parceiria com o Percy Carpenter

quarta-feira, 24 de outubro de 2012

Pra te Chamar de Meu

Cultivo-te em mim para ser leve, não vejo outra forma, não te quero de outra forma. Somos calejados demais para investirmos em coisas vãs ou tentarmos edificar sem fundação. O tempo fez de nós tantas coisas e nos pesa tantas outras que, por vezes, fazem de nós reféns dos receios. Mas te vejo tão grande daqui que qualquer irritação tem validade de instantes. Dedico-te raiva e lhe juro não mais querer, até que retornas me fazendo sorrir até apertar os olhos. Você me ganha. Sem dedicação, sem empenho ou esforço: você me ganha. E eu nado numa vibe toda errada. Então, me desfaço aos poucos do que me priva de ser entregue. Lhe dedico minha mais gentil compreensão, zelo seus passos, lhe guardo com carinho e te reservo meu querer mais sutil. Não te cobro e nem poderia. Te quero livre, mas que venhas meu. 

quarta-feira, 17 de outubro de 2012

Reincidência Tardia

Creio que tenha voltado sem medir o quanto o tempo fez de nós apenas lembranças. Parece que retornou tentando reaver algo que já não nos cabe mais. Não depois que os meses de ausência completaram um ano e eu aprendi com a distância a não mais querer um romance com você.  Permaneci disponível para que entendesse que nossa relação transcendia a paixão e mantive meus braços abertos te acolhendo como amiga num desabafo qualquer. Mas não posso agora lidar com toda essa insistência de fazer de nós o que deixamos de ser. E deixamos de ser tão mais. Por não gostar de retrocessos te nego qualquer tentativa de reconquista. Antes que reclame do meu jeito evasivo, aviso que não se trata de fuga ou medo, é falta de querer, não te quero mais meu. Quero-te bem e te reservo o meu carinho, mas paixão... essa só conjugo num passado que você abandonou.

quarta-feira, 10 de outubro de 2012

Posse

[...] foi quando você apareceu no meu horizonte, surgiu como se sentisse o cheiro da minha vulnerabilidade. Você me conhece em detalhes e essa é a sua maior vantagem contra as minhas negações. Mas naquela noite não iria negar, tive certeza disso quando um ar quente se alojou na minha nuca. Não teve jeito, de repente me vi nos seus braços “só mais uma vez”. Em contrapartida você sorri e diz que eu sempre volto e é o que lhe consola. Me cativa a sua disposição em me receber sem questionar, sem julgar os meus motivos ou as minhas necessidades. E retornei algumas vezes por uma vontade doentia de me sentir desejada, outras só pelas exigências do corpo. Me atormenta tamanha crueldade de chegar,  te revirar do avesso e sair sem me despedir. Mas você nunca se importou, a cada chegada me aninha nos braços como se fosse à primeira, como se eu não fosse partir por mais um longo tempo. Você sempre achou que nunca me teve, mas te pertenci tantas vezes que nem sei dizer. Tens minha entrega sem espera. Queria ser livre no mundo como sou nos seus braços. Queria lhe amar com o coração como o amo com a carne. 

quarta-feira, 3 de outubro de 2012

Lirismo

Acordei com o cheirinho de café e resolvi prolongar o sono te dando mais tempo para me surpreender. E você chegou com uma bandeja repleta das minhas preferências, dos meus sabores prediletos e café com leite fervido, quatro colheres rasas de açúcar e todo um cuidado que jamais tivera.  Estava ali, toda contraria a minha filosofia, burlando as minhas regras e admirando sua pieguice romântica sem que me enjoasse. Você tem esses olhos que estão sempre sorrindo e me hipnotizam, então não consigo ser racional ou defensiva. Tem esse sorriso largo tocando a minha boca e me alegrando o dia. Depois daquela noite já não havia mais o seu cheiro ou o meu cheiro, tinha o nosso cheiro impregnando toda casa e se fixando na memoria. Havia um eu e um você nos bastando em nós.