quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

Trégua

Dentre todas as necessidades, as exigências da alma são as mais urgentes. E a perda da quietude é quando travamos essa luta interna entre razão e emoção. Eu sei, é racional buscarmos motivos legítimos que expliquem determinados sentimentos. Mas na crueza de acreditar que se soubermos o que motivou vamos conseguir aliviar o ardor, vivemos em busca de respostas indecifráveis.  Nessa confusão de racionabilidades e passionalidades, destaca-se o medo de errar e ferir-se a ferro e fogo. Porém desde que me permiti errar, vivi. Toda essa questão divinal que errar é pecado, que somos pecado. Pra mim divino é viver! E de todas as crenças que tenho, aproveitar a vida é a mais solene. Mesmo que ainda doa confessar em silêncio os meus desejos mais mesquinhos. Não é que eu não queira gritar, mas minha vontade é de sonorizar algo pra que você entenda claramente do que se trata, é me libertar dessa omissão. Mesmo que seja uma música antiga do nosso cantor preferido e que a letra não se encaixe com a nossa realidade e seja só ilusão. Ou uma melodia bonita que nos movimente e nos faça dançar de peito colado e só nos separe por rodopios que geram sorrisos. Quem sabe um poema do poeta mais clichê, e talvez os nossos poemas devidamente nomeados e não nas entrelinhas. Que seja às claras, às pardas e que seja também no escuro, debaixo do edredom. Somos represas e água parada não move moinho. Viver em guerra interna cansa e drena as forças. Nos demos folga, clamemos a paz, trazemos com a razão e gozemos emoção.

quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

Coleção*

Há tanto em mim que foi esculpido com a dor e polido com o desamor que me desprovi de toda fé. Reúno todas minhas mágoas e as guardo como um salve do que a vida me ensinou. Abandoná-las seria negar o que me moldou e toda sabedoria defensiva que adquiri. Esquecer das cicatrizes que já não doem, mas ainda habitam, seria abandonar-me em vulnerabilidade irracional. E eu não me desfaço porque o meu amor por mim não foi comprado, tampouco cresceu em calmaria. Tanta lama, tanto lodo nas entranhas de mim que me afastei completamente de idealizar o que é perfeito. Meus instintos se alvoroçam para revirar do avesso o particular, para que eu encontre o inteiro, porque ninguém é só anjo e nem pretendo somente conhecê-los. Tenho gana pelos monstros aprisionados, pelos fantasmas mascarados, pelos medos que te fazem hesitar e retroceder sempre que te avanço sem previsibilidade. Minha frustração é por falhar em te resgatar das evasivas chulas e não transpor seu medo do inabitual. Eu sempre soube que esse meu vício de dissecar teus bolores me amargariam: saturamo-nos imoderadamente. Por vezes me procuro mais doce, menos ácido, mais confiante e mais flexível com as minhas confianças, nunca atrofiei minha capacidade de me transformar, mas entenda que não posso atender aos seus caprichos preterindo esse tanto que há em mim. Se a forma que me queres não é a forma que sou, evitemos falar em culpa e sejamos fluidos, sábios para enxergar o que não somos. Não sei forjar fluidez e nem tento. Meu corpo só entende o que é natural. Tudo morre o tempo todo, a cada instante, não aconteceu hoje e nem ontem, acontece desde o princípio. Há um jardim de pétalas vazias de vida, um tanto descoloridas, retentoras de tudo que queríamos ser. Estive pensando no quanto a gente se aprimora em cada colisão, e talvez tenhamos existido um para o outro não para sermos algo maior, mas para tornamo-nos maiores, hábeis para vivermos um azul que virá quando nos distrairmos. De você, não sei. Em mim carrego a certeza que a gente acaba nascendo um pouquinho em cada um.


*Coleção é um texto escrito em parceria com o Darlan do Palavras Oblíquas

quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

Rendição

Minha fome tem se arrastado por dias, se expandido em desalinho e causando um rebuliço tão desconfortável que eu me despi de algumas defesas pra tentar sacia-la. Confesso que me envolvi em outros abraços, provei outras bocas à procura de contentamento. Nunca fui de substituições, meus desejos são claramente nomeados, mas dessa vez tive medo de parecer faminta o suficiente pra me tornar vulnerável ou que transparecesse carência repentina. Não era nada disso e sabia bem, já tinha me inspecionado em várias dimensões. No fundo só me restava te culpar por tantos desencontros e privações, pelos descasos e contradições. Mas se essa noite eu te procurei é porque te queria bem mais do que uma breve mensagem poderia expressar. Ruas cheias de gente, vazias de verdades e eu nua de evasivas. Sondei-te como felino a procura de comida. Tomei coragem em goles secos. Mostrei-me desarmada, desarmei-te, pus fim à guerra. E nossa bandeira branca era um lençol suado de uma cama macia.

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

Desaguar

Sempre pensei que um dia ficaria órfã das minhas defesas, que elas me desprotegeriam, mas gradativamente percebi que elas jamais me abandonariam, são fieis e cordiais. São etapas pelas quais tenho que passar pra alcançar o seguro.  E pra que não nos entendamos mal, não é por não querer tentar, é por medo de sofrer que traço meus planos de fuga. Sei exatamente o que me afasta de ti e é a isso que tento me apegar, por instinto ou covardia. Mas repentinamente me invades roubando sorrisos, me desarmando em desaviso e criando fendas na minha artilharia. O que me dói é me conter, aprisionar muito dos meus afetos, os calo por achar demais e não querer exceder. Meu rebuliço é causado pelas saudades entubadas pra não te assustar. É querer ser inconsequente por puro prazer, te bater a porta e te roubar do tédio. É que eu não me canso de te olhar e imaginar lembranças. E há tanto de mim que pede pra ficar, que diz que eu nem tentei, nem me esforcei e que desistir ainda nem é opção. Há pedaços de mim em você que eu desconheço, é o que me aflige. E o meu desgosto é pelas vezes que não consegui te penetrar e arrancar confissões. São suas defesas, eu sei! Mas deixa que os dados rolem, que a extensão do intocável nos canse e que o tempo nos amoleça. O rio sempre encontra seu mar. Vem que devagarinho a gente se encaixa!